(*) Post originalmente escrito para o meu blog pessoal, Caldinas. Resolvi também publicá-lo aqui porque a análise de qualquer sucesso comercial / cultural sempre é assunto de interesse para planejadores.
Update: Antes de receber críticas, me explico. Em 2 ou 3 parágrafos abaixo digo que as teses que o livro propõe são razoavelmente críveis. Talvez tenha me expressado mal, mas quis dizer que, do ponto de vista de alguém leigo no assunto, a história como é contada até parece verdade. É claro que pesquisando sobre isso na internet dá para achar milhares de artigos defendendo e criticando a tese. Não me arrisco a dizer quem está certo e quem está errado.
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"Nossa Bruno, tudo bem que você passou quase uma semana sem escrever aqui, mas esse assunto já não está muito ultrapassado?".
Sim e não, respondo fazendo ar de guru. É claro que depois de ter ficado trocentas semanas nas listas de best sellers (se é que ainda não está lá) e de ninguém menos do que Tom Hanks ter estrelado o filme baseado na obra, a trama de O Código Da Vinci já deu tudo o que tinha que dar.
A trama sim, mas as razões de seu sucesso não. Não li e dificilmente lerei o livro, mas ontem resolvi alugar o filme. Gastar pouco mais de 2 horas da minha vida para saber do que se tratava, sendo que parte do meu trabalho é entender o que está acontecendo no mundo, me pareceu uma troca bastante justa.
Já adianto que o filme não é ruim e a trama tem lá seu mérito. Aliás, o curioso é que o desenrolar conceitual em torno da tese de Maria Madalena ter sido a esposa de Jesus, e esse ter deixado herdeiros para o mundo, muitas vezes é mais crível que o desenrolar da ação envolvendo os personagens. Em muitos pontos o filme adquire uma tonalidade policial que eu não esperava encontrar.
Mas a pergunta que não quer calar é: porque fez tanto sucesso?
O que o filme faz é basicamente colocar um monte de perguntas relativamente críveis sem dar nenhum tipo de resposta mais contundente. Jesus foi casado? Mortal ou imortal? Maria Madalena era uma esposa ou uma puta? Teria sido ela a escolhida para continuar o reinado de Jesus na Terra? O vaticano é do bem ou do mal? Coloque aí mais meia dúzia de perguntas e pronto, o sucesso na parte cristã do mundo está garantido. Mas não é só isso.
Em tempos de progresso nos costumes sociais a história criada por Dan Brown ao invés de abalar a fé vai exatamente na direção inversa, uma vez que, se seus questionamentos são potenciais destruidores de dogmas, também funcionam como oxigênio para uma igreja que parou no tempo.
Só para dar dois exemplos, O Código Da Vinci faz as pessoas, no mínimo, pensarem na hipótese de Jesus ter sido mais humano do que a figura relatada, e de uma mulher ter desenrolado um papel muito importante na "maior história de todos os tempos". Oras, e o mundo ultimamente não vem ficando mais humano e feminino?
Mais humano no sentido de menos radical e politicamente correto. Há uma tendência no ar de aceitar melhor os defeitos de cada um de nós e tocar a vida pra frente mesmo assim, com toda a dignidade possível, ou pelo menos a que resta. É isso que a Nike nos diz ao criar para sua maratona anual (Nike 10k) um grupo de corredores composto por gente que está muito longe de levantar a bandeira da geração saúde, ou seja, gente como a gente, que fuma, bebe e passa a maior parte do tempo em frente ao computador.
E sobre a outra tendência eu não preciso dizer muito. As mulheres no poder e os metrossexuais estão aí para dar a resposta.
Assim, através de uma trama bem elaborada com alguma possibilidade de encontrar eco na realidade, Dan Brown não vende apenas um livro, um filme ou uma história bem contada, mas também um olhar mais moderno sobre a igreja, a história de Jesus e a fé. Quase uma proposta de releitura envelopada em um produto comercial. Um best seller para combater outro best seller, a boa e velha Bíblia.
terça-feira, 16 de outubro de 2007
código da vinci
por
Caldinas
às
17:38
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2 comentários:
Scartozzoni, também curioso pelo espetacular sucesso, li o "Código Da Vinci" e, recentemente, em vídeo, vi o filme. Você não perdeu nada não lendo a obra, como literatura é sofrível. A trama policialesca, típica dos filmes C de Hollywood, também está presente no livro.
Sua análise parece-me interessante, em particular no que diz respeito em humanizar uma referência mitológica, como Jesus, tirando-a do plano mágico para trazê-la ao nível do possível onde nossa vida acontece.
Nesses tempos que a tranquilidade de um mundo ordenado por uma consciência superior, como querem os criacionistas, sofre um forte abalo pela defesa da ateologia pelos evolucinistas, revelar-se um Jesus com mais carne e osso do que divindade, passa a ser reconfortante.
Por outro lado, o Sr. Brown tem o mérito de trazer à luz a manipulação histórica que a Igreja Católica fez da narrativa de Jesus ao renegar o que chamou de "evangelhos apócrifos" (incluindo de Madalena), para só admitir como verdadeiros os que não colocam em dúvida a divindade do apóstolo.
Como todo sabemos, a História é a narrativa do vencedor e, nesse caso, o vencedor foi a Igreja que, com braço armado de Constantino, impigiu seu dogma no que retava do império romano.
Bruno,
planejar também é ver se não fizeram coisa parecida ou vagamente semelhante antes. A "trama" do livro é fato conhecido e difundido discretamente na mídia desde o final da década de 70. O Brown apenas reorganizou estas informações, acrescentou alguma coisa nova e lançou como uma idéia inédita.
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