sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A mão invisível do mercado

O sr. Lorival vivia de um sítio de cerca de dois alqueires paulistas do qual tirava seu sustento. Tinha ali uma pequena plantação de frutas variadas, que comercializava na cidade, e uma cultura de subsistência que atendia às necessidades básicas da família.

Com o tempo, os demais sítios da região foram sendo desmembrados em lotes que viraram amplas casas de campo nas mãos de moradores da capital que dali distava coisa de hora e meia, duas horas no máximo.

Com o aumento do movimento na estrada nos fins de semana, devido à nova vocação do lugar, o primogênito do sr. Lorival, Zezinho, teve a idéia de levar uma caixa com frutas da estação, madurinhas, para vender no acostamento. Foi com surpresa que a primeira caixa foi-se num piscar de olhos, exigindo um frenético vaivém de corridas de bicicleta entre a estrada e o sítio para buscar novos carregamentos. E não foi só. Pois não é que o danado do Zezinho pediu o dobro que o mercadinho dava pelas mesmas frutas e o povo pagou?

Tão logo seu Lorival percebeu que ali estava uma oportunidade para arribar na vida e poder dar um futuro melhor para os filhos, caprichoso, com a ajuda do Zeca Carpinteiro, confeccionou um simpático quiosque no qual acondicionava as frutas em nichos inclinados a 45º que atuavam como displays. Ajudava na exposição o cuidado em lavar muito bem a mercadoria e mantê-la resfriada e apetitosa com um spray de água assim que elas secavam.

O negócio prosperou. À banca foi agregado um novo quiosque, esse para preparar e servir sucos e salgadinhos bem caseiros que a mulher de Lorival cozinhava. A carroça foi substituída por uma camionete, o que elevou o status do Cacique para cavalo de montaria, acompanhando uma melhora geral na vida da família.

Agora com mais recursos, Lorival pôde realizar o sonho de bancar os estudos do Zezinho nas melhores escolas, o que o levou, depois da faculdade, a fazer cursos de extensão no exterior. Essa rotina, porém, acabou por afastar o Zezinho, cujas visitas, compreensivelmente, foram ficando mais e mais esparsas, restringido-se o contato a cartas, depois e-mails e comunicação via web fone.

Após uma das ausências mais prolongadas, pouco mais de dois anos, Zezinho veio de férias para o Brasil. Chegou cheio de novidades, contando dos bastidores do que ia pelo mundo. Entre as notícias que trazia em primeira mão, uma advertência: a economia americana, depois de um longo ciclo de crescimento, entraria num período de forte recessão, arrastando consigo as demais economias dela dependentes. Entre elas, a nossa. Portanto, ele recomendava muito cuidado: nada de investimentos, nada de financiamentos, nada de incursões no mercado financeiro. O consumo iria conhecer uma forte retração em todos os níveis e nem todos conseguiriam se ajustar a tempo ao encolhimento dos mercados.

Zezinho voltou para os EUA e deixou seu pai com o fantasma da crise abancado na casa. Com base numa planilha de custos que o caçula havia feito, Lorival pôs-se a ver o que poderia cortar para se manter leve e flutuar quando o dilúvio chegasse.

O ponto-de-venda do Lorival (àquela altura a antiga banca estava trabalhando com uma grande variedade de produtos) deixou de operar com uma série de itens, retirou-se dos segmentos de menor volume (como jornais e revistas e artigos de conveniência, por exemplo) e, por conta do enxugamento, dispensou dois dos quatro funcionários que empregava, além dos filhos.

A racionalização dos gastos atingiu também a manutenção das frutas e de seus displays, de forma que o comércio do Lorival foi ficando muito parecido com o dos ambulantes que tinham se instalado nas proximidades, como peixes-piloto, para aproveitar as sobras do grande movimento que o ponto provocava.

Tão rapidamente como cresceu, os negócios entraram em declínio. Quando a imprensa brasileira começou a falar em recessão internacional, o sr. Lorival já havia sido atingido gravemente pela crise. “É a mão invisível do mercado”, observou Zezinho num dos seus e-mails.

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