quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A lâmpada high-tech do Aladim



Quando os computadores começaram a entrar na Criação, um amigo diretor de arte, maravilhado com a novidade tecnológica, imbuiu-se da certeza de que todos os problemas e dificuldades do ofício estavam definitivamente resolvidos. Como era seu sonho conciliar praia, sol, mar, sombra e cerveja fresca com trabalho em Florianópolis, ele concluiu que, chegando à cidade com essa novíssima ferramenta, não faltariam propostas de emprego. Imaginou então mandar confeccionar alguns outdoors com sua imagem descendo do avião com um Macintosh Quadra debaixo do braço!

O outdoor ele não fez, mas foi para Floripa armado de um Mac que, por falta de suporte na cidade, à época, e inexperiência do operador, logo ficou encostado assistindo ao bloco de layout e ao pincel atômico continuarem reinando.

Narro esse episódio porque ele, para mim, é representativo de uma necessidade de deus ex maquina que depositamos na tecnologia. Temos a ilusão de que basta uma ferramenta de múltiplos recursos nas mãos para que nossa capacidade de executar tarefas se expanda. Note que ao aprendermos tocar um instrumento procuramos sempre um modelo profissional na vã esperança de que sua qualidade já seja meio caminho andado para nossa performance.

No caso de meu amigo diretor de arte, o que ele queria não era uma ferramenta moderna, era uma versão high-tech da lâmpada de Aladim. Bastaria esfregar o mouse e, puf, surgiria na tela do Mac o trabalho criado.

A partir disso venho observando que as facilidades e o grau de automação possibilitados pelas máquinas têm gerado profissionais que executam trabalhos sem terem a cultura do seu fazer. Um exemplo é a comunicação visual em nosso meio. Chegamos aos resultados a partir da elaboração de colagens de um gigantesco acervo de informações, tendo por orientação aquilo que as publicações e sites do meio assinalam como “tendências”.

A esse propósito, Ellen Lupton, designer, em seu livro “Novos Fundamentos do Design”, observa: "É preciso ter uma compreensão básica e abstrata da imagem, não só saber como usar o software."

É no vício em programas como Photoshop e Illustrator, aliás, que Lupton vê a banalização de alguns estilos que têm empobrecido o design. "Vejo muita gente usando transparência e camadas, por exemplo, sem motivo algum", afirma ela. "Também fazem tudo se mexer ou brilhar, enchem de sombras, põem um monte de truques no lugar do desenho."
Isso porque com esses e outros programas ficou fácil manipular imagens e criar efeitos que antes exigiam muito mais tempo e talento dos designers. "O problema com o software é que transformou os grandes princípios do design em algo fácil de manipular", diz Lupton. "É importante pensar os efeitos como parte integrante do desenho, não só como estilo."*

Concordo com Lupton, que é uma autoridade no assunto, mas também isso pode sinalizar que estamos diante de um novo processo não-cartesiano de aprendizagem e produção que eliminará ou minimizará a necessidade de embasamento cultural como estrutura de formação do indivíduo e do profissional. Assim como na Renascença operou-se uma dicotomia no homem, separando o sapien do faber, podemos estar passando por outra transformação na qual a ferramenta deixa de ser extensão potencializadora dos nossos recursos para que sejamos nós sua interface. Não sei...

(*) Comentários extraídos do caderno Ilustrada da Folha de São Paulo de 24 de outubro de 2008, resenhando o livro “Novos Fundamentos do Design”, de Ellen Lupton (ed. Cosac Naify).

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