quarta-feira, 23 de abril de 2008

O novo sempre vem. Nem sempre fica.

Ali pelos anos de 1970, o cantor e compositor Belchior, uma espécie de Bob Dylan tropical, vaticinava pela voz de Elis Regina que o “novo sempre vem”, dando forma a um sentimento que se universalizou pós o emblemático 1968.

Cristalizava-se nesse momento o império do novo sobre tudo o havia sido criado, pensado e conceituado até então. Só para ter uma idéia do peso desse valor nessa época, outra canção, essa de Marcos Vale (ex-velha bossa nova), proclamava: “Não acredito em ninguém com mais de 30 anos”. Não é preciso dizer que não só o moço Vale, como toda a sua geração, passou e muito dessa idade fatal, embora o novo continuasse vindo e, na maioria das vezes, pelas mãos de provectos trintões.

Lembro disso tudo como uma vinheta pitoresca para ilustrar como de tempos em tempos aparecem verdades absolutas que a vida e a história acabam por relativizar.

Algo semelhante aconteceu com o advento da informática quando as iniciais PC significavam apenas Partido Comunista. O “cérebro eletrônico”, como o computador era conhecido, seria o responsável por uma revolução de tal monta que afetaria profundamente a sociedade (o que de fato ocorreu), substituindo o homem na cadeia de produção (trouxe mudanças) e, entre ouras maravilhas, criaria a administração sem papéis. As árvores respiraram aliviadas, mas por pouco tempo. A facilidade em processar textos e imagens e de reproduzi-los aumentou barbaramente o consumo de papel.

Na mesma toada, o cinema extinguiria o teatro, a televisão mataria o rádio, o VHS aposentaria o cinema.

O CD veio e já está de partida, os disquetes, revolucionários em sua capacidade de 1,4 MB de armazenamento, também já cantam o ai, ai, ai,ai, está chegando a hora!

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.


A estrofe acima é de um soneto de Camões, escrito no longínquo século 16. Já nessa época, quando a humanidade caminhava na velocidade de Dorival Caymmi, a idéia da mudança, que o novo traz, era perturbadora. Vale dizer que essa é uma preocupação recorrente da humanidade, representando numa ponta insegurança e na outra esperança.

Um sentimento tão arraigado assim, obviamente, não pode ser ignorado por quem planeja ações promocionais num mercado no qual o discurso e a prática do novo são imperativos.

Cabe ao planejador a difícil arte de separar o novo da novidade, ou, como exemplificou o Madia no Madia Landmarketing, de não se contaminar pelos dois extremos do espectro: os neólatras de um lado e os neófobos de outro.

Outro dia, no briefing para uma ação num supermercado, sem nenhuma justificativa, um dos bullets points ressaltava: criar uma ação viral na Internet. E isso por quê? Porque é novidade, é hype, todo mundo está fazendo.

A Internet é nova (ou quase nova). O que se faz com ela ainda resvala a novidade, tanto é que o que está dando certo na web não foi projetado para ter a relevância que tem (Orkut, YouTube, Google e por aí vai). Teremos um período de aculturação ou mesmo de formação de uma cultura. Pouco do que hoje está na rede vai ficar tal como está. Afinal, como já via com seu único olho o bardo lusitano, “todo mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”.

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