segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Enformando o novo

No post “Engavetando o novo”, publicado na semana passada, tratei de como uma idéia nova, que foge aos cânones do marketing promocional, acaba sendo engavetada por não se espelhar em nenhuma referência de sucesso (até porque, se tivesse referência, não seria nova). Mas, além das idéias que vão para a gaveta, há as que sobrevivem como um Frankenstein, depois de um trabalho de engenharia genética que as deixa iguaizinhas às já conhecidas.

Evidentemente, não podemos prescindir de técnicas e mesmo de soluções já testadas, mas jamais deveríamos fazer disso um gesso. Pode-se fazer o novo sem que seja preciso reinventar o repertório já conhecido de recursos. Gosto de dar como exemplo o Chico Buarque que, como outros tantos poetas e escritores, partem de um repertório conhecidíssimo (os vocábulos) para criar peças inteligentes e emocionais. Um detalhe: não é preciso recorrer a um dicionário para entender Chico; seu vocabulário beira ao coloquial. A mágica do novo está na forma como ele extrai imagens inusitadas apenas com a reelaboração de palavras-clichês. Acompanhe comigo este trecho de “As Vitrines”: Passas em exposição / Passas sem ver teu vigia / Catando a poesia / Que entornas no chão. Repare como todas as palavras são comuns: passar, exposição, ver, vigia, catar, poesia, entornar e chão, mas o resultado da combinação alquímica feita por Chico faz desse chumbo, ouro: uma visão alumbrada de uma pessoa encantadora passeando por um shopping.

Só mais um exemplo, agora de Drummond. Para ilustrar a intensidade dos sentimentos que uma súbita paixão provoca num homem já em idade madura, o nosso poeta gauche escreveu: Ah esse cavalo solto pela cama / A cavalgar o peito de quem ama. Novamente, atenção para como palavras absolutamente comuns constroem uma imagem arrebatadora.

Por que então não nos apropriarmos do léxico de recursos do marketing promocional para daí extrair propostas novas no apelo?

Por que continuar transformando o conhecimento do setor em ferramenta de extrusão que dá a mesma forma a tudo o que a ela é submetido?

Depois de todos os senões e ajustes extraídos da “arte de transformar galgos em dromedários”, as propostas novas correm o risco da mesmice, transmudando-se em velhas conhecidas, idênticas aos moldes a que as submetemos. Nesse processo, catar + poesia + entornar + chão jamais somam: Catando a poesia que entornas no chão. E cavalo solto pela cama vai ser a visão de um dependente químico em crise de abstinência.

Um comentário:

Roberta Carusi disse...

Uma vez fiz um curso de roteiro e, logo de cara, o professor tascou essa: "todas - TODAS - as histórias, drama ou comédia, derivam de um dos 7 pecados capitais. O negócio é desenvolver de forma diferente." Uns sabem como. Outros, não. Assino embaixo do post!