terça-feira, 1 de setembro de 2009

Entre a cruz e a espada

Se um dia você já sonhou que poderia mudar o mundo com boas idéias, por favor leia esse texto. Se você nunca sonhou com isso, talvez a leitura lhe possa ser interessante.

Acho que todo publicitário passa por fases onde se questiona sobre a relevância social da própria profissão. A relevância existe, mas na maioria das vezes ela é negativa. O que vou falar agora não é comprovado por pesquisas, mas acredito que em 95% dos casos as marcas mais tiram das pessoas do que dão. A ideologia por trás da propaganda é vil e suja. E não me excluo dessa triste realidade. Muitas vezes já me peguei resolvendo "problemas de comunicação" que provavelmente geraram algum tipo de frustração ou lesão em pessoas de bem. Não porque eu sou mau, mas porque é assim que as coisas são. Na luta pela sobrevivência, é o nosso ganha-pão versus o do próximo. Pense bem. Você provavelmente já esteve na mesma situação.

Sempre fui um jovem preocupado com as questões sociais, um defensor de condições mais igualitárias e do respeito ao meio-ambiente. Mas o tempo foi passando e as coisas foram mudando. Há aproximadamente cinco anos, quando me mudei para São Paulo, acabei sendo envolvido pela roda viva do capitalismo selvagem. Não estou culpando a cidade, mesmo porque todas as outras querem ser iguais a São Paulo um dia. Culpo a mim mesmo por ter me deixado levar por suas promessas de fama e dinheiro.

Parece papo de esquerdista revoltado, mas nem politizado eu sou. Peço apenas mais um pouco de paciência, pois vou chegar ao ponto central desse post.

Interpreto esse conflito pelo qual passo (e já passei outras vezes) da seguinte maneira: ele significa que algumas atitudes que minha profissão me faz tomar negam alguns valores muito fortes em minha vida, e minha essência (ou seja lá o que for) teima em aceitar. Em ocasiões anteriores, engoli seco e segui em frente. Agora começo a perceber que não adianta fechar os olhos para o problema.

Mas como combater algo que está arraigado visceralmente em nossos job descriptions (puta merda, como odeio essa expressão!)?

Você estimula a compra de um carro mesmo o seu só dando problemas. Você estimula o uso de cartões de crédito e débito mesmo seu limite estando estourado. Você estimula o desejo de uma criança por um refrigerante mesmo tendo um filho que transborda ingenuidade. Você estimula a adesão a uma operadora mesmo sendo mal tratado sempre que precisa recorrer ao seu call center. Você estimula o consumo mesmo tendo consciência dos males que ele gera em nossa sociedade.

Quando eu digo você, também estou dizendo eu. Será que um dia nós vamos dar a isso a importância que deveriamos dar?

Não é de hoje que as marcas investem cada vez mais em marketing e menos em produtos e serviços. Mas vamos reclamar de que, não é mesmo? Isso garante nosso sustento. Por outro lado, prejudica milhares de pessoas como essas aqui, aqui e aqui (cliquem nesses links, é revoltante).

O pior é pensar que esse é o motivo pelo qual viramos noites e abdicamos de nossa qualidade de vida.

Toda essa reflexão foi bastante introspectiva, e me afastou do Promo Planners por um bom tempo. E hoje havia decidido abandonar o barco. Mas escrevo este post justamente para dizer que não vou mais fazer isso.

O fato é que cansei de escrever sobre o mercado. Essa metalinguagem do desprezível deixou de fazer sentido para mim. A cobertura do festival de Cannes sugou minhas últimas forças. Apesar de alguns seminários muito inspiradores, fui obrigado a conviver com a escória da propaganda mundial (e quando digo escória, me refiro aos egos de publicitários que pensam ser estrelas, mas cujo brilho não vai além de sua constelação - são eles que alimentam o lado negro da força).

Se é assim, por que não vou deixar de escrever no Promo Planners?

Porque infelizmente (ou felizmente) essa é a minha profissão. É o que eu sei fazer. Não pretendo me tornar um artesão e fixar residência em Trancoso. Provavelmente darei meu último suspiro na poluição intragável de São Paulo. Se tiver sorte, às margens do Rio Tietê. :)

Esse sorriso foi para mostrar que não estou revoltado. Mas já que estou coberto de merda até o pescoço (imagine se eu estivesse revoltado), vou tentar produzir adubo orgânico. Porque sei que se eu desistir, outro ocupará meu lugar. E talvez ele pertença ao lado negro da força.

A partir de hoje, utilizarei esse canal para escrever sobre o papel que nós, planejadores, podemos exercer para tentar construir um mundo melhor.

E não estou falando do lado Coca-Cola da vida. Refiro-me a ações que efetivamente agreguem algum valor relevante para a vida das pessoas com as quais tentamos nos comunicar. Com toda a humildade do mundo, tentarei inspirar atitudes que tornem nosso ofício um pouquinho menos deplorável.

Percebi que não posso gritar aos sete ventos que vivemos para produzir lixo atômico se não tentei fazer nada para mudar isso. Reclamar é fácil. Fazer não é tão fácil assim.

"Planning for good"? Não. Minha pretensão não é mudar o mundo (deixo essa para o Kuat). Ficarei feliz se conseguir trazer algum benefício real para a vida dos 30.000 homens/mulheres, AB, 18-34 anos, provavelmente residentes de São Paulo e Rio de Janeiro - doce ironia.

Por isso mesmo, passarei a destacar idéias que geram esse benefício, e a criticar de forma destrutiva idéias sem valor que nasceram de egos imbecis. Mais que isso, buscarei sempre que possível iniciar um diálogo produtivo com a finalidade de refletirmos sobre o poder que temos como estrategistas de marcas.

Sei que, no furor do dia-a-dia, posso acabar cedendo às exigências egoístas das grandes corporações (e até mesmo da agência, por que não?). Mas não farei isso sem lutar. E quando a recompensa chegar, mesmo ela sendo pequena aos olhos dos descrentes, comemorarei com a intensidade que a vitória dos valores humanos merece.

Talvez você não quisesse ler isso. Talvez você não merecesse ler isso. Talvez você não devesse ler isso. Mas agradeço a você por ter lido. E ficarei ainda mais grato caso você comece a aplicar seus valores de vida no seu dia-a-dia de trabalho.

Não somos nós que devemos nos adaptar ao ambiente corporativo. São as corporações que devem se adaptar ao nosso ambiente. Afinal, somos pessoas. E se formos fiéis a nossos valores, conseguiremos mais respeito para mais pessoas.

11 comentários:

Pedro De Conti disse...

Animal! Parabéns, disparado o melhor post do blog... vou ajudar a divulgar a causa... li com a intensidade que a vitória dos valores humanos merece... as coisas vão mudar... a mídia, a informação, a publicidade em breve estará à mercê do povo... vida longa Gontijo!

Thago disse...

Sensacional Gontijo

Parabens pelo puta post.

Tomás disse...

Eu, como planejador, concordo em gênero, número e grau...

Lembro de um caso quando tive uma das crises existencias como essa: quando saiu a campanha da Claro com a assinatura Escolha... assim que foi permitido a portabilidade numérica... os caras haviam liderado o movimento das operadoras CONTRA a portabilidade e de repente, quando viram que não adiantou de nada, mudaram a comunicação inteira, registraram o domínio potabilidade.com.br e se posicionaram como os que dão a opção de escolha...

revoltante...
nojento...

Anônimo disse...

Fiquei realmente comovido e impressionantemente surpreso. Parabéns.

Gustavo Gontijo disse...

Tomás, essa foi uma das mais recentes. Lembro-me bem de ter ficado chocado com o oportunismo e a cara de pau da operadora. Lamentável. Obrigado por seu comentário.

Adriana disse...

Gustavo, fiquei muito feliz com o seu texto pois penso exatamente como você e acredito em um nova forma de olhar para o trinômio: comunicação, cultura e consumo. Existe um trabalho bem interessante da Profa. Dra. M.A.Baccega sobre este assunto, vale a pena dar uma olhada.

Nivaldo disse...

Finalmente alguém conseguiu transformar em texto o sentimento que aflige a classe, com excessão do lado negro. Tinha que ser você.

Saudações.

Unknown disse...

Olá Gustavo!
Acompanho o blog há pouco tempo e me identifiquei bastante com o texto.
Nossa! É um alento ver que existem profissionais de comunicação realmente preocupados com o seu papel social.

Parabéns! :)

AA disse...

GG,

só li agora, e ainda por cima por causa do seu pingback, mas de algum modo fico com a sensação de que as nossas conversas em Cannes foram adubadoras, hehehe...

No distante 1993, saí do segundo grau em Publicidade (hã??) com aquele sentimento de que "não havia nada", como fala a amiga niilista. Sabia que exatas não era o meu futuro. Descambei pro jornalismo, agora em extinção, e me encontrei. Mesmo pertencendo a uma entidade em transformação, é lá que me sinto bem. Justamente por, apesar de tudo, o jornalismo me dá aquela chance de ver replicada (hoje, independente da mídia ou do seu dono)a minha contribuição pro mundo. Isso porque, mesmo sendo sugado pelo karma (trabalhando como jornalista nas principais publicações de marketing e propaganda do Brasilzão nos últimos anos), sempre me julguei capaz de oferecer aos leitores algo para eles pensarem no final.

Isso é bem mais difícil de fazer na publicidade e por isso lhe desejo sorte. Contamine aos outros, sim. E sobretudo, se a coisa ficar difícil como muitas vezes fica, trate de pelo menos encostar a cabeça no travesseiro com a sensação de lever cumprido. Ninguém poderá chamar esta leveza de egoísmo.

E não vamos falar da Claro ou de qualquer outra marca porque não vale a pena.

Abraço!!
AA

Clubinho do Papel disse...

Sabe aquele princípio do reflorestamento? Você derruba uma árvore e planta outra no lugar? Funciona mais ou menos assim. Ou você abdica de tudo e vira mais um homem-leopardo, ou você estabelece um sistema de compensações. Trabalhe com propaganda mas alimente seu espírito. De trabalho voluntário, ativismo político, defesa aos animais, qualquer coisa. Pelo menos no futuro isso vai ajudar você a ser menos louco.

Joyce Morais disse...

Gostei do ponto descrito, mas gosto de olhar um lado positivo da publicidade, como campanhas para organizações do terceiro setor. Apesar de que não dá muita grana, mas é uma forma de ajudar a sociedade.