sexta-feira, 8 de agosto de 2008
De mulatas e bundas
A agência resolveu surpreender o CEO de seu principal cliente, em visita ao Brasil, com um presente original. Como ele tinha por hobby o surf, o souvenir escolhido foi uma prancha confeccionada por um shapper brasileiro de renome.
Para a produção da tal prancha foi convocada também a Criação, que deveria fazer o visual que a decoraria.
Todos os estudos apresentados se utilizavam de um design predominante nas Wired e publicações de referência no gênero. Eram muito bonitos, mas neles nada havia que os destacassem de uma paisagem “globalizada”, tendo todas as características de um produto adquirido em uma boa loja do ramo em qualquer país do mundo. Argumentei que em todas as propostas de design faltava a “alma” brasileira, algo que realmente pudesse ser apresentado como uma lembrança do Brasil. Tal observação provocou indignações e protestos:
– Somos uma agência internacional, nosso trabalho tem que refletir isso – ponderou, com razão, um diretor de arte.
– Temos que fugir do estereótipo de mulatas e bundas! – reforçou outro. E por aí foram as argumentações, a maioria delas correta e refletindo uma preocupação sadia em fugir dos clichês.
Não conseguimos gerar outro grafismo para a prancha, que ficou mesmo com seu perfil globetrotter, mas isso acabou por provocar uma reflexão: como sermos nós mesmos sem o sermos por caminhos que nos envergonhem? Por outro lado, devemos questionar também a própria vergonha; ela é dos signos em si ou resulta por revelar nosso sapato sujo de terceiro mundo, acusando nosso complexo de vira-latas, como resumiu Nelson Rodrigues?
Não nos envergonhamos em portar os clichês estrangeiros nem eles se incomodam com os seus. Pelo contrário, os exibem até orgulhosamente. Também me incomoda esse Brasil cantado em araras, Cristo Redentor, Pão de Açúcar, vitória-régia, coqueiros, baianas quituteiras, mulatas e bundas. Um Brasil de cartão-postal e pôster de agência de viagem. Mas qual é a alma do Brasil, qual a sua cara?
O Brasil é o lixo que consome
Ou tem nele o maná da criação?
Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho
Que é o Brasil zero a zero e campeão
Ou o Brasil que parou pelo caminho:
Zico, Sócrates, Júnior e Falcão
O Brasil é uma foto do Betinho
Ou um vidro da Favela Naval?
São os Trens da Alegria de Brasília?
Ou os trens de Subúrbio da Central?
Brasil Globo de Roberto Marinho?
Brasil bairro, Carlinhos Candeal?
Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas
Ou quem das ilhas vê o Vidigal?
Brasil encharcado, palafita?
Seco açude sangrado, chapadão?
Ou será que é uma Avenida Paulista?
Qual a cara da cara da nação?
(Celso Viáfora e Vicente Barreto)
por
Marinho
às
14:37
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2 comentários:
Eu não sei quanto a vocês, mas estou bem feliz com o Brasil da foto do post...rsrsrs
Marinho,
Ouça Brasis do Seu Jorge. Acho que ilustra bem seu post.
http://cifraclub.terra.com.br/cifras/seu-jorge/brasis-hgsjt.html
Um abraço
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