quarta-feira, 30 de julho de 2008

Jabuti de forquilha


Em post anterior, “A maldição dos jacarés”, narrei uma parábola que tratava de como pequenas questões impõem-se no processo de trabalho e sugam a energia que deveria ser dirigida a um esforço produtivo. Volto ao assunto com outra história edificante, esta tendo por alegoria um jabuti.

Conta a parábola que a um jovem e talentoso executivo foi confiada a tarefa de promover uma reengenharia numa empresa na qual, sabia-se, antigos métodos emperravam seu desenvolvimento.

Após um período de análise, o jovem executivo inteirou-se dos detalhes do funcionamento da empresa e começou a operar as mudanças necessárias. A transformação foi profunda, nada de intervenções cosméticas.

À medida que os novos procedimentos iam se consolidando, a comissão de reengenharia se aprofundava na estrutura da empresa, deparando-se com pormenores ainda mais anacrônicos sob a ótica da moderna administração.

Foi nessa fase que nosso protagonista encontrou um jabuti solenemente encarrapitado na forquilha de uma árvore. Como jabutis não sobem em árvores, o jovem executivo não teve dúvidas: ordenou que ele fosse removido. Aí, sem trocadilhos, o bicho pegou.

Não tardou a se instalar um escândalo pelo desrespeito em mexer em algo que o avô do atual presidente e herdeiro da empresa tinha feito pessoalmente nos tempos pioneiros da instituição. Alguns acreditavam mesmo que o quelônio era uma espécie de amuleto, pois desde que foi entronizado na árvore os ventos passaram a soprar a favor.

A verdade é que, coincidência ou não, foi depois da ascensão do jabuti que a empresa conheceu seu período dourado, indo muito bem, obrigado, até alguém ter a maldita idéia de fazer a tal reengenharia. Sem se dar conta dos progressos que essa medida estava trazendo para a organização, o episódio da remoção do jabuti acabou por manchar tudo o que o pessoal da consultoria tinha feito de positivo até então.

O jeito foi recolocar o jabuti na forquilha para os ânimos se acalmarem e a reestruturação seguir em frente, preparando a empresa para continuar sendo competitiva nos novos tempos. Ao que consta, o bicho está lá até hoje.

Às vezes nos deparamos com briefings ou polices dos clientes que, de tão absurdos, não perdemos tempo em atropelá-los, dando início a um terremoto no job. O pior é quando, não acusando o golpe diretamente, o cliente começa a revidar de viés, atacando outros pontos do trabalho e levando a agência ao desespero por não entender o que está acontecendo.

Certa vez, começamos a ter os trabalhos continuamente recusados por um cliente que de uma hora para outra passou a questionar a qualidade da criação que, aliás, continuava com os mesmos profissionais. Custou para descobrirmos que, por uma razão ou trauma qualquer, o cliente não gostava do que ele chamava de layout preto (sic), referindo-se ao uso de fundo escuro com lettering em negativo. Está aí um típico jabuti de forquilha.

Numa agência em que trabalhei, o VP de criação não suportava mágicos e coração. É isso mesmo que você leu: o desavisado que se valesse de metáforas, analogias ou simbologias com uma dessas imagens corria perigo de demissão sumária. O motivo? Jabuti de forquilha.

Um comentário:

Gustavo Gontijo disse...

Muito bom.
Vou começar a adotar essa expressão.