Costumamos nos divertir com a maneira dos portugueses se expressarem e (não) entenderem nossas expressões, como se isso fosse estreiteza de raciocínio. O português é básico, concluímos.
Como de hábito, não enxergando o próprio rabo, esquecemos que nós, brasileiros, temos mesmo um falar enviesado, que não vai direto ao ponto, nada básico e, portanto, difícil de ser compreendido por quem não está acostumado com o nosso jeito gauche de falar.
Um bom exemplo é o caso célebre, que meio mundo credita a um conhecido ou parente, no qual um brasileiro pergunta ao comerciante luso se sua loja fecharia no domingo, obtendo uma resposta negativa: não, não fechará. Chegando à loja no domingo o brasileiro a encontra fechada. No dia seguinte, irado, o brasileiro tira satisfações com o português, ao que ele, perplexo, responde: “Ora, perguntaste se a loja fecharia e não se ela abriria. Como pode fechar algo que não abriu?
Achamos esse episódio um absurdo porque o se expressar de viés é próprio da nossa cultura.
“Te vejo amanhã”, querendo dizer que vamos nos encontrar. “Não vamos nos perder de vista” (vamos manter contato freqüente). “Eu o perdi de vista” (nunca mais tive notícias).
“Você já jantou?” (quer jantar comigo?). “Isso é para a cerveja/cafezinho” (estou satisfeito com o serviço/atendimento).
Saindo do conjunto de arte moderna de um museu português, o brasileiro pergunta no balcão de informações do conjunto de arte clássica que obras havia ali. Resposta: “Arte clássica, pois!”. A pergunta omitia a verdadeira resposta intentada: quais os principais pintores e obras ali expostos.
Ocorre que esse falar de lado, dissimulado, também traz problemas para o nosso trabalho em particular quando é o atendimento que age de forma básica.
O cliente diz: “O que você acha de, em vez de azul, usarmos vermelho nesse fundo?” – Ele está querendo apenas dizer que não está seguro quanto a esse detalhe, mas isso vai chegar para a criação com a seguinte leitura: “O cliente quer o fundo vermelho”.
Outro modo do dizer por vieses, muito freqüente em nosso meio, é o de expor o problema ou o objetivo de uma ação sugerindo uma solução. Exemplos: “Queremos uma ação que distribua milhares de brindes” (leia-se queremos impactar o maior número de consumidores); “Vamos fazer um concurso cultural” (traduzindo: não podemos fazer uma promoção de vendas que exija autorização, mas precisamos agitar o mercado). E por aí vai.
Comunicamo-nos mais nas entrelinhas do que nas linhas. Saber ler esse enunciado oculto é parte fundamental de nosso trabalho, pois, para falarmos com brasileiros, também colocamos o sentido no subtexto e não na forma direta da comunicação. Ou alguém acredita que “O primeiro sutiã a gente nunca esquece” foi uma campanha feita para meninas entrando na puberdade?
Como disse poeticamente Alceu Valença, leia saudades quando escrevo solidão.
terça-feira, 6 de maio de 2008
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3 comentários:
Seu marinhos, o verdadeiro poeta do marketing promocional!
Ler seus textos é uma delícia.
Isso me lembrou o Chico Anysio, quando ele não era chato, dizendo que gringo, ao chegar no Brasil, pode entender muita coisa. Mas entender que "pois não" quer dizer "sim" e "pois sim" quer dizer "não" é absolutamente impossível. ah ah ah
Atendimento e Criação falam línguas diferentes. Mas quando o Atendimento e o Cliente falam línguas diferentes também... Sai trabalho? Pois sim! ahahahaha
Mas vou fazer uma correção: "não vamos nos perder de vista", quando dito por um homem para uma mulher, não quer dizer "vamos manter contato freqüente" e, sim, "não vai rolar, ok?". AH AH AHA HAHA HA
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