quinta-feira, 8 de maio de 2008

Deusa da Fertilidade


A idéia nasceu grande, na verdade, enorme, como era de se esperar de uma agência criativa como a nossa. Para a campanha promocional de Dia das Mães de nosso cliente, escalaríamos Roberto Carlos, que comporia e gravaria uma canção exclusiva dedicada à mãe contemplada no concurso. Como megalomania pouca é bobagem, a proposta foi aprovada sem retoques e sem se saber quanto esse delírio custaria.

Consulta aqui, orça acolá e a produção foi descendo a ladeira para chegar a um custo mais próximo do budget do cliente. O Rei está inviável? Vamos de Julio Iglesias! Iglesias também tem custos estratosféricos? Desce-se mais um degrau.
Assim, de degrau em degrau, chegamos a Fábio Jr. que, embora não estivesse no auge de sua carreira como cantor, freqüentava regularmente a mídia devido a seus rumorosos casos amorosos e ao fato de estar estrelando uma novela no SBT no papel de um taxista.

Fábio Jr. ainda nos deu um bom mote de comunicação, pois seu maior sucesso tinha sido uma dramática canção dedicada a seu pai, o que nos permitiu dizer que a música para a mãe completaria a ode à célula mater (e pater) da família. Estava pronto o tema: Promoção A Canção Que Faltava!

Emulando a sabedoria popular que diz que pau que nasce torto não tem jeito, morre torto, planejamento promocional que começa errado vai errando cada vez mais e em maior escala à medida que se tenta remediar os problemas de origem.


A canção foi encomendada ao compositor oficial do Fábio Jr., que compôs uma página do cancioneiro nacional intitulada Deusa da Fertilidade. Tentamos argumentar que embora tivesse um certo acento renascentista, comparar a mãe a uma deusa da fertilidade sublinhava demais o caráter biológico, reprodutivo da maternidade, quando a efeméride invocava os aspectos mais emocionais dessa circunstância da mulher. Foi em vão. A solução foi registrar o título da canção apenas no CD de tiragem única com o qual presenteamos a mãe ganhadora.


Fábio Jr. gravou a canção, que evocava a tal da deusa da fertilidade no refrão, e produzimos um CD como elegia à mãe vencedora do concurso.
Como parte da premiação, a entrega do CD seria no programa de Hebe Camargo, com Fábio Jr. cantando ao vivo a canção laudatória. Aí começou a sucessão de pequenas e inesperadas ocorrências que estão na fórmula das grandes tragédias.

A senhora sorteada era evangélica e a religião proibia a participação em programa de TV. Mas havia uma solução: buscarmos a anuência do pastor. Como a senhora morava no interior do estado de São Paulo, para lá se dirigiu um produtor/embaixador que, depois de muito argumentar, conseguiu liberar seu passe mediante a condição de trazer também o pastor e sua família para assistirem ao programa.
O compositor, por sua vez, fez uma exigência: também queria ir para o programa participar da entrega da música à ganhadora.

Chegado o dia e o momento da entrega do prêmio, Hebe chama Fábio Jr. e aproveita sua presença para falar da novela e de sua mais recente namorada. Ocorre que o cantor já tinha advertido a produção de Hebe de que não queria que tocassem em seus assuntos amorosos. Mas ela não cumpriu o acordo e mandou ver uma pergunta cheia de malícia sobre o tema proibido. Fábio Jr., em estado de alteração dos sentidos, tirou as fichas de perguntas da mão da apresentadora, embaralhou-as e as colocou em seu bolso, deixando Hebe desorientada e o público espantado.
Nessa confusão, a ficha com os dados da promoção e da senhora ganhadora sumiu, tendo a produção da agência, quase aos gritos, feito o papel de ponto, passando as deixas para Hebe com o som vazando para os telespectadores, já que o programa era ao vivo.

No momento da entrega do CD, Hebe chamou também o compositor, que era deficiente visual e, portanto, precisou da ajuda do assistente de palco, uma espécie de mordomo da apresentadora, que o guiou e o instalou num bar que decorava a sala cenográfica.


Fábio Jr., ainda alterado, fez a entrega do CD e pôs-se a cantar. Atendendo aos apelos das fãs, começou a mandar beijos voadores, a sorrir e abraçar as moças da platéia, enquanto o playback rolava solto com sua voz gravada denunciando a farsa da apresentação, que deveria ser ao vivo e exclusiva para a deusa da fertilidade.


Terminada a canção, Fábio Jr. abandonou o palco às pressas. Hebe já havia se retirado e o mordomo também, restando só o compositor, sem nada enxergar, tateando o ar e rumando perigosamente para as escadas do cenário enquanto tentava se orientar no ambiente que lhe era estranho. Foi salvo por um assistente de palco.
Só não perdemos a conta porque o SBT se comprometeu a levar ao ar, no programa seguinte, um videoclipe que produzimos com a senhora ganhadora, tendo por trilha a “Deusa da Fertilidade”.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Leandro Scalize disse...

A Hebe quase quebra a agência...É uma graciinhha!