quarta-feira, 12 de março de 2008

A voz nada rouca da ruas

Alguém importante em algum momento idem, que minha memória apagou, usou a expressão a voz rouca das ruas para se referir à opinião pública que a mídia não reverbera com fidelidade.

A tal da voz rouca seria então o consciente coletivo sempre distorcido pelo filtro do comunicador. Isso explicaria, por exemplo, porque numa eleição há sempre uma diferença entre o vaticínio da imprensa e os resultados das urnas. Atenção, estou falando de opinião editorial, não de pesquisas de intenções de voto.

No começo da Sight, hoje Momentum, entre os anos de 1994 e 1996, passamos a pesquisar as propostas de campanha que desenhávamos, com o objetivo de conhecer melhor quais os agentes motivacionais de maior apelo.

A pesquisa era qualitativa (group discussion) e dividíamos a discussão em dois blocos. O primeiro era genérico, falava-se de promoção em sentido amplo e, mais especificamente, como ela influenciava a decisão de compra. Na segunda parte, testávamos as idéias que tínhamos gerado.

Essa primeira parte da pesquisa, igual para todos os grupos, resultou numa amostragem consistente o suficiente para traçar um perfil daquilo que mais funcionava numa ação de promoção de vendas. Em linhas muito gerais, essas pesquisas mostraram o seguinte:

• A campanha tende a ter mais sucesso quanto maior for a presença do produto (categoria) no mix de compra do consumidor. Ou seja, toda vez que você usa o apelo promocional para interferir nos hábitos de compra do consumidor, a resposta será menor, principalmente com mecânicas de concurso (sorteio) ou vale-brinde. O mesmo se aplica se a promoção exigir que o volume de compras do produto patrocinador ultrapasse em muito o habitual. Há exceções. Uma campanha para os salgadinhos Elma Chips dando um tipo de jogo de nome Tazo, virou mania, que virou febre e a molecada passou a comprar os salgadinhos só pelo brinde, chegando a descartar o próprio produto. Vale pela curiosidade, mas não como exemplo.

• O peso da marca é fundamental para as promoções com mecânica que implique sorte. Marcas com mais share of mind avalizam a ação. Marcas pouco conhecidas ou queimadas prejudicam os resultados.

• Bens duráveis e semiduráveis reagem mal a promoções de venda com mecânica de sorteio ou vale-brinde. Os aspectos emocionais e racionais que envolvem a decisão de compra nesse segmento relativizam o apelo promocional. Nesse caso, agregar valor real à compra tende a trazer bons resultados. Um caso típico foi uma campanha da Citroën para a minivan Picasso que dava um DVD automotivo de brinde. O gadget era novidade, desejável e perfeitamente coerente com o produto, um veículo para a família.

• Curiosamente, a quantidade de prêmios ou a ampliação das possibilidades de ganho com o uso casado de mais de uma mecânica numa mesma ação não aumenta o apelo da promoção, mas atrapalha, e muito, a comunicação. Essa informação não é processada pelo consumidor, que tende a ter uma visão muito particular das possibilidades de ganhar algo. Recentemente, uma promoção com produtos de consumo dando um grande prêmio por concurso (viagem a um resort na Bahia) e brindes com premiação instantânea no ponto-de-venda teve uma grande participação com a segunda mecânica e muito poucas cartas enviadas para o sorteio. Ou seja, se tivessem utilizado só a mecânica da ação in store teriam obtido o mesmo resultado com um custo muito menor.

• Quanto mais simples a mecânica e mais prática a forma de participar, maior a adesão. Há mecânicas tão complexas que parecem gincanas. Mas essa regra pode ser rasgada se o produto for popular e a premiação de alto apelo. Aí o consumidor recorta oito códigos de barra de oito diferentes produtos, escreve uma carta, responde a uma questão, enfrenta a fila do correio e paga a postagem para participar. Esse foi o caso do Show do Milhão da Nestlé. Mas são exceções e muitas vezes dependem de oportunidades que já foram desenvolvidas pelo mercado.

Há muito mais pontos que as pesquisas revelaram, mas esse texto já está mais para artigo do que para post. Voltarei ao assunto numa próxima oportunidade. O fundamental é que também em promoção precisamos ter sensibilidade e meios para ouvirmos o target com ouvidos desobstruídos de conceitos prévios, sem colocarmos nossa visão e valores como absolutos. Isso não significa pautar a criação das ações por pesquisa, mesmo porque o novo não aparece em consultas objetivas, ninguém deseja o que não conhece.

5 comentários:

Panhoca; Bruno disse...

Sempre achei que quanto mais óbvia e pertinente for uma promoção, maior será o seu sucesso. Infelizmente poucas pessoas enxergam o óbvio com tanto clareza como nosso pertinente Mestre Marinho.

andrea mello disse...

adorei o post. mas fiquei me mordendo com uma curiosidade báscia: como vcs fizeram para recrutar os entrevistados? quem eram essas pessoas? [tenho lido mto sobre pesquisa quali, sabe como é...]

Marinho disse...

Dea,fizemos a pesquisa de acordo com uma adaptação da metodologia de pesquisa quali junto de um instuto de pesquisa (Enfoco). Definíamos o perfil psicográfico do target e o instituo utilizava seus serviços de recrutamento. Todos os institutos de pesquisa trabalham com profisssionais especializados em reunir grupos com perfil definido, como se fosse um trabalho de casting.

Caldinas disse...

Seu Marinhos, até que enfim alguém aplicou alguma pesquisa ao marketing promocional.

Estou cansado dos achismos nos brainstormings.

Pena que foi há mais de 10 anos né?

O Instituto de Pesquisa PromoPlanners poderia fazer uma nova rodada né? hehe

Anônimo disse...

Sensacional, Seu Marinhos! Só consegui ler agora e já estou torcendo para essa próxima oportunidade chegar logo: A Voz Nada Rouca das Ruas parte 2, a Missão.