quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Convergência cultural, a possibilidade esquecida.




Katia Bivanco, diretora de atendimento da Momentum Brasil, num de seus momentos updater, partilhou conosco um sugestivo vídeo da web que, acredito, foi extraído de um esquete de algum programa de variedades da TV japonesa (ver acima).

O quadro sustentava-se numa coreografia precisa baseada na arte de manipulação de títeres do tradicional teatro bunraku. Esse estilo de teatro de marionetes, que remonta ao Japão do século 16, utiliza mestres titereiros (três para cada boneco) que manipulam diretamente os bonecos sem o uso de mecanismos “invisíveis” como varetas e fios. Como ficam no palco literalmente agarrados aos bonecos, vestem-se de preto da cabeça aos pés e encenam à frente de um fundo escuro, de modo que em pouco tempo nos acostumamos à sua presença e não mais os vemos, só as marionetes e seu perfeito gestual e convincentes expressões faciais.

No quadro citado, essa técnica de expressão artística tradicional é utilizada para que se emule ao vivo o que só é possível realizar pelos meios eletrônicos como a câmera lenta e o recurso de retroceder a ação (rewind). O encantamento, portanto, está em trazer para o mundo real as possibilidades e até mesmo as limitações da narrativa virtual. Paradoxalmente, é o real que agora busca ser virtual.

Do ponto de vista estrutural, o esquete da TV japonesa é um caso exemplar de como construir o novo a partir de um conhecimento já sedimentado e, portanto, antigo ou não-novo, se quiser fugir do estigma do adjetivo. Talvez o grande trunfo da cultura japonesa seja exatamente o de não classificar como morto ou destinado a museus um acervo de conhecimento que, empregado com o que há de mais moderno, cria sinergia e faz surgir novas narrativas.

Soube que uma das últimas manias das adolescentes japonesas é acompanhar um tipo de novela desenvolvida para o suporte celular como mídia. Os capítulos são enviados como SMS. A novela/celular “Koisora”, depois do alto índice de audiência no meio mobile, transformou-se num livro convencional e vendeu um Paulo Coelho: 1,3 milhão de exemplares.

Novamente, mais que se buscar criar novos léxicos e sintaxes para cada nova mídia que surge, a convergência cultural promovida pelos japoneses parece-me algo mais adiantado, disponível e viável em escala de massa do que o Godot dos novos tempos, a convergência de tecnologias. Por outro e animador lado, a convergência cultural é uma demonstração clara de que, ao menos nesse campo, o homem sapiens vai à frente do faber, indicando-lhe o caminho.

Chamo a atenção para a utilização da cultura de um meio em outro como forma de potencializar os recursos fornecidos à exaustão pelas novas mídias que a tecnologia disponibiliza a todo instante. Não saber fazer isso é utilizar a cultura e o conhecimento para consumo imediato, perdendo-se uma fonte de energia criadora que poderia ser empregada para o desenvolvimento de novos approachs.

Um mal-humorado crítico de turismo francês (é, a França tem dessas coisas) afirmou certa vez que o Brasil é um país que foi da barbárie à decadência sem conhecer a civilização. Tirando-se o exagero da (boa) frase de efeito, isso diz muito do que fazemos ao jogarmos fora, a cada novidade colocada no mercado, tudo o que construímos até então por ficarem “velhas”. Caso exemplar dessa atitude de desperdício de capital de conhecimento é o que vem ocorrendo na formação dos diretores de arte que já começam a solar seus layouts eletronicamente, descartando o rico acervo de design gráfico que nos legou quase cinco séculos da Galáxia de Gutenberg. No entanto, quando um japonês coloca em seu liquidificador cultural 5.1 o conhecimento milenar de seu povo, gera um resultado plástico que as Archive de plantão registrarão para nós mimetizarmos e reproduzirmos a forma, já que nos falta a alma.

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