Quando inata, não merece maiores comentários, pois os batraquiófagos já desenvolveram um sistema muito eficaz de digestão que os previne das reações mais incômodas como brio, humilhação e vergonha na cara. O batraquívoro deglute anuros como quem come alface e chuchu, embora haja os que, por um capricho masoquista, até vejam nesse repasto uma iguaria.
Engolir sapos, sem ser um batraquívoro nato, requer o desenvolvimento de algumas habilidades.
O problema da batraquiofagia entre os não invertebrados é de saúde. Sapos são indigestos. Pior: costumam vir acompanhados de cobras e lagartos, o que, convenhamos, forma uma fauna impossível de se degustar. Mas ninguém poderá falar desses bichos não comerei. Viver em sociedade é, no fundo, um grande exercício de engolição de batráquios. Dá-se aqui uma inversão da cadeia alimentar: quanto mais perto da base da pirâmide, mais sapos se engolem.
O funcionário público atrás do guichê da repartição, de quem você precisa de um maldito carimbo, não lhe atende, olha você com desprezo e continua conversando com o colega ao lado. Você tem vontade de mandá-lo de volta aos braços de sua airosa mamãe, mas se cala porque depende de seu gesto de má vontade. Bingo! Você acaba de engolir um sapo-boi.
Tire o funcionário público do exemplo acima e coloque um médico no pronto-socorro do SUS; um escrivão na delegacia onde você foi registrar queixa de um sequestro-relâmpago (que para você durou uma eternidade); o chefe do emprego do qual você depende; o cliente bronco; o aluno arrogante da escola de classe média alta; as autoridades em geral; o motorista de caminhão de metro e oitenta de altura e largura que bateu no seu carro; a estagiária sobrinha do presidente da empresa; o diretor de criação; o diretor de atendimento. Todos eles e muito mais são contumazes fornecedores de anuros de tudo quanto é jeito e tamanho, os quais raras vezes conseguimos vomitar.
Geralmente, a engolição cotidiana de sapos transforma as pessoas normais em batraquívoros e aí o problema de digestão deixa de existir. Para os que não se habituam com tal dieta, restam alguns comportamentos sais de frutas.
Sublimar a humilhação urdindo planos de vingança que jamais serão executados é um deles. Outro é ascender ao topo da pirâmide bafejado pela fortuna: ganhando na megassena acumulada, por exemplo. Ter algum tipo de fé também ajuda, principalmente em religiões que veem o sofrimento como uma forma de aprimoramento espiritual.
Engolir sapos faz mal ao fígado. É essencial que não se percam a humanidade, a ternura e o paladar, pois, entre um sapo e outro, haveremos de aproveitar os biscoitos finos que a vida também oferece.
4 comentários:
Está aí a voz da experiência falando sobre uma dura verdade da vida. Belo post, que certamente vai contribuir para a formação de pensamento crítico de planejadores - público do blog - e "pessoas em geral". :)
Marinho, como sempre, genial.
Acho que um dia vou fazer um blog dedicado aos planos de vingança arquitetados e nunca realizados.
Ou então um sobre a dieta do sapo.
Eu estou a caminho, como se pode ver pelo meu último post, de fazer um blog dedicado a cultuar o Seu marinhos, ahahahah
Haha, muito bom!
Um batraquiofago nato deve ao menos folhear Oswald de Andrade e tirar dali a reversão dos fatos. Engolir sapos pode ser uma fonte de energia e as vezes pode até trazer um certo otimismo.
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