terça-feira, 7 de abril de 2009

A arte da batraquiofagia



A batraquiofagia, traço estrutural nos batraquívoros e conjuntural em outras espécies, trata da arte de engolir sapos.

Quando inata, não merece maiores comentários, pois os batraquiófagos já desenvolveram um sistema muito eficaz de digestão que os previne das reações mais incômodas como brio, humilhação e vergonha na cara. O batraquívoro deglute anuros como quem come alface e chuchu, embora haja os que, por um capricho masoquista, até vejam nesse repasto uma iguaria.


Engolir sapos, sem ser um batraquívoro nato, requer o desenvolvimento de algumas habilidades.

O problema da batraquiofagia entre os não invertebrados é de saúde. Sapos são indigestos. Pior: costumam vir acompanhados de cobras e lagartos, o que, convenhamos, forma uma fauna impossível de se degustar.
Mas ninguém poderá falar desses bichos não comerei. Viver em sociedade é, no fundo, um grande exercício de engolição de batráquios. Dá-se aqui uma inversão da cadeia alimentar: quanto mais perto da base da pirâmide, mais sapos se engolem.

O funcionário público atrás do guichê da repartição, de quem você precisa de um maldito carimbo, não lhe atende, olha você com desprezo e continua conversando com o colega ao lado. Você tem vontade de mandá-lo de volta aos braços de sua airosa mamãe, mas se cala porque depende de seu gesto de má vontade. Bingo! Você acaba de engolir um sapo-boi.


Tire o funcionário público do exemplo acima e coloque um médico no pronto-socorro do SUS; um escrivão na delegacia onde você foi registrar queixa de um sequestro-relâmpago (que para você durou uma eternidade); o chefe do emprego do qual você depende; o cliente bronco; o aluno arrogante da escola de classe média alta; as autoridades em geral; o motorista de caminhão de metro e oitenta de altura e largura que bateu no seu carro; a estagiária sobrinha do presidente da empresa; o diretor de criação; o diretor de atendimento. Todos eles e muito mais são contumazes fornecedores de anuros de tudo quanto é jeito e tamanho, os quais raras vezes conseguimos vomitar.


Geralmente, a engolição cotidiana de sapos transforma as pessoas normais em batraquívoros e aí o problema de digestão deixa de existir. Para os que não se habituam com tal dieta, restam alguns comportamentos sais de frutas.


Sublimar a humilhação urdindo planos de vingança que jamais serão executados é um deles. Outro é ascender ao topo da pirâmide bafejado pela fortuna: ganhando na megassena acumulada, por exemplo. Ter algum tipo de fé também ajuda, principalmente em religiões que veem o sofrimento como uma forma de aprimoramento espiritual.

Engolir sapos faz mal ao fígado. É essencial que não se percam a humanidade, a ternura e o paladar, pois, entre um sapo e outro, haveremos de aproveitar os biscoitos finos que a vida também oferece.

4 comentários:

Gustavo Gontijo disse...

Está aí a voz da experiência falando sobre uma dura verdade da vida. Belo post, que certamente vai contribuir para a formação de pensamento crítico de planejadores - público do blog - e "pessoas em geral". :)

Panhoca; Bruno disse...

Marinho, como sempre, genial.
Acho que um dia vou fazer um blog dedicado aos planos de vingança arquitetados e nunca realizados.
Ou então um sobre a dieta do sapo.

Robi Carusi disse...

Eu estou a caminho, como se pode ver pelo meu último post, de fazer um blog dedicado a cultuar o Seu marinhos, ahahahah

Felipe Lima disse...

Haha, muito bom!
Um batraquiofago nato deve ao menos folhear Oswald de Andrade e tirar dali a reversão dos fatos. Engolir sapos pode ser uma fonte de energia e as vezes pode até trazer um certo otimismo.